quarta-feira, 22 de julho de 2009

Conversas inexistentes

- Sabe?
- Não...
- Bom, é assim. É como se tivesse um buraco bem pequenino dentro aqui... em algum ponto, aqui dentro, sabe?
- Sei.
- Aí você convive com ele, porque o buraco é tão pequenino que você nem percebe a existência dele. Buraco de agulha, coisa boba. Mas um dia você acorda e percebe que o buraco cresceu um pouquinho.
- Alargou?
- Não, ele cresceu. Esse negócio de alargar é o cu, nada a ver.
- Sim, continue.
- Mas enfim, o buraco cresceu, e você já percebe a existência dele, mas continua sem lhe dar bola, porque afinal, você tem coisas maiores e mais interessantes com que se preocupar. Uma decepçãozinha ali, outra aqui, e você vai jogando no buraco, para não ter que lidar com aquilo agora, né?
- Então é como o buraco dos problemas?
- Não era pra ser, mas acaba sendo, entende?
- Sim, claro, é compreensível.
- Daí que um dia, você vai procurar um problema antigo no buraco, porque agora você se sente pronto a lidar com esse problema, e ele já não te assusta mais tanto, mas aí ele cresceu DEMAIS. O buraco é muito maior do que você poderia imaginar, e agora ele domina um espaço muito grande e você não sabe o que fazer.
- Humrum.
- E então você encontra o problema com o qual você agora consegue lidar, mas olha, ele acabou se grudando a outros tantos que você jogou lá dentro, que ele agora é um problemão, como um mega combo de problemas. Sabe, tipo McDonald's?
- Um kit de problemas?
- É. Mas talvez eu esteja exagerando, porque na verdade não são problemas, são... sentimentos? Sentir é problema.
- Ah, mas sentir qualquer coisa é problema?
- Não qualquer coisa. Mas sentimentos que você negou e escondeu e sucateou no buraco, e acabaram fazendo o buraco crescer, e agora, é estranho né? Porque o buraco está cheio, mas ele te deixa um enorme vazio...
- E esse vazio te incomoda?
- Às vezes. Às vezes, a maior parte do tempo, não. O tempo todo eu estou rindo, conversando, me divertindo, mesmo quando eu estou trabalhando, eu me divirto. E nem lembro da existência do buraco. Mas às vezes, no meio do dia, eu lembro que ele está lá, crescendo cada vez mais, e isso me deixa angustiada. Aí eu fico triste, triste, sem motivo aparente, e as pessoas falam comigo e eu não vejo motivo para conversar com as pessoas, pois estou triste, o buraco está ali, e eu não posso fazer nada, ou NÃO SEI o que eu posso fazer para que ele desapareça.
- Humrum.
- E enfim, o buraco existe, eu sei que ele existe, eu ignoro a existência dele, mas quando ele me cutuca, como que dizendo "hey, eu não desapareci", tudo ao meu redor para de fazer sentido, eu me sinto perdida e sinto um cansaço enorme. Não sei o que fazer.
- Humrum.
- Mas sei que seria muito, muito melhor se você tivesse algo a me dizer que não fosse o simples "humrum".
- Sabe? É que eu sou uma parte de você. Talvez uma parte do problema. Logo, se você não sabe como lidar com o problema, eu sei menos ainda.
- Ah. É verdade, né. Blé. Isso que mais me irrita.

[eu falo sozinha]

5 comentários:

Beatrix Kiddo! disse...

Ok, esse texto é meu.(Autoria sua, mas sobre minha pessoa, óbvio)
Queria escrever bem assim, para poder ter escrito isso, mas vc botou no mundo e isso que importa.
Queria ficar triste sem motivos mais não.


[nada fez sentido nesse comentário]

Ana P. disse...

Gata, tudo fez sentido nesse comentário. Eu tb queria perder essa tristeza e esse vazio. AIN, que foda. :(

Andarilho disse...

Falar sozinha vc já fala, o próximo passo é se internar numa clínica. Vc não tá viciada em vicodin não?

Primeiro passo: para de jogar problema no buraco. Se vc não consegue diminui-lo, pelo menos não o aumente.

Segundo passo: se descobrir, me avise.

Porque sério, eu cheguei num ponto em que é só vazio. Só o que me resta são os poucos vicodins, que agem só por instantes.

Ana disse...

É....eu meio que sou a favor de entrar nesse buraco aí e cavar, cavar, cavar até que ele se integre ao seu intestino, sabe como é?
Assim, os problemas mais efêmeros rolam privada abaixo...os outros, vc resolve devagarinho e, aos poucos, como tem que ser!
É bem a implantação de um "banheiro de busão" em vc! Larga no caminho e leva na sua bagagem só as cicatrizes, pq elas dão uma linda história sempre....
beijo

Sardinha Mestre disse...

Deixa o buraco lá, jogue tudo lá dentro e continue vivendo com um sorriso falso e nunca mais se preocupe com isso. Vivo assim hj jogo td no buraco, tenho medo de amanha ele me engolir tbm.