quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Estátuas [2]

Sabe o que é mais engraçado mesmo? Eu tenho medo de altura.

Como a gente ia fazer basicamente o caminho normal do ônibus saindo da zona leste e indo pro centro, não tinha absolutamente nada de turístico pra mostrar. Mas estamos falando de estátuas que ganharam vida numa quarta-feira cinzenta. Elas nunca tinham visto nada além do lugar onde costumavam ficar, paradas, imóveis, aguentando todos os cocôs de pombos e olhares indiferentes dos seres humanos.

Então elas perguntavam sobre tudo, absolutamente tudo.

E o Cristo, né. O Cristo. Redentor. Era o que menos falava. As outras iam de "por que as pessoas ficam dentro dos carros paradas, por que eles não fazem como eu e saem andando?" para "mas por que vocês se mexem tanto, qual é o objetivo final?". Eram perguntas ora fáceis, ora complexas, e eu não era nenhuma espécie de filósofa e menos ainda interessada nos porquês da humanidade.

- Pergunta pro Cristo, eu não sei.

Entendi porque o Cristo foi com a minha cara e eu com a dele. Não enchemos muito o saco durante a viagem [que demorou mais porque as outras paravam e cheiravam ou pegavam tudo: prédios e carros vazios, parques, viadutos, fios de energia, postes de iluminação]. Eu passava a direção e ele ia, e quando ele se movia, muita gente saía correndo de medo, ou atrás dele, de admiração. Achei isso bacana. Mas ele num falava com ninguém, só comigo. E só pra saber praonde ir.

Imagina a cena: Cristo perguntava pra mim praonde ir.

Então o Mercadão tardou, mas não falhou. O Redentor pediu pra eu fazer o óbvio, e foi difícil convencê-lo de que estátuas não comem. Mas aí eu fiz. Trouxe um sanduíche de mortadela, o melhor do país [é o que dizem]. Daria uma belíssima propaganda pra mortadela que eu nem lembro o nome agora [me lembrem de pedir os direitos quando eles usarem essa minha ideia]: o Cristo Redentor sai do Corcovado, vem pra São Paulo andando só pra comer um sanduíche de mortadela. Meio Chaves isso, mas tá valendo.

Daí todo mundo deve estar fazendo a mesma pergunta que eu fiz:

- Mas ô grande: estátuas não tem sistema digestivo. Como você pretende comer esse sanduíche?

- Não seja boba: eu sou o Cristo. Eu posso fazer o que eu quiser. Watch me.

Quem um dia iria imaginar que estátuas falam inglês?

Então ele comeu. Mastigou direitinho, ainda fez cara de satisfação, o safado. O que ia acontecer depois [já que quase tudo o que comemos, cagamos] eu não faço a menor ideia. Imaginei cocôs-pedra saindo da bunda do Redentor, mas cortei o pensamento imediatamente; é muito sacrilégio. Então dei aquele toque de amiga, porque eu tava meio longe de casa, e cansada, precisava dormir.

A viagem de volta pra casa foi mais tranquila, porque aí foi só eu e o Cristo. As outras estátuas começaram a fazer umas amizades bacanas com o povo que largou de ter medo, estavam conversando e tirando fotos que mais tarde iriam rechear o orkut e o twitter de galerê.

E agora? Bom, foi o que eu perguntei também.

- Agora eu não sei, acho que vou voltar pra casa.

E foi mais ou menos assim que o Redentor me colocou delicadamente no chão, me mandou um "se cuida" muito característico mesmo e foi embora. Quando eu entrei em casa, a família estava em polvorosa. "Vi você na televisão!", "meu deus, mas e agora, como vai ser com essas estátuas vivas?", "só o que faltava, estátuas vivas, daqui a pouco vão me anunciar o fim do mundo!"

Pois bem, com isso ninguém precisava se preocupar: assim que o Cristo chegou novamente no Corcovado, e se colocou em sua posição de costume, o relógio marcava 23h59 da mesma quarta-feira cinzenta.

Nessa hora, começou a chover. E começou também o fim do mundo.

continua...

3 comentários:

Andarilho disse...

A diferença é que o Chaves comia sanduiche de presunto, hahaha.

Ana P. disse...

Hahahahahahaha, é verdade! Mas mortadela, presunto, vamos todos morrer mesmo.

Chico Mouse disse...

"Imagina a cena: Cristo perguntava pra mim praonde ir." HHAHAHAHA RI ALTO

E os cocos-de-pedra.... PUTAQUIPARIU ANA KKK :P