domingo, 21 de novembro de 2010

Estátuas [3]

Não teve sangue, não teve gritaria, não teve gente andando pra trás e procurando uma forma de se matar sem qualquer reação expressa nos olhos. Não teve zumbis, não teve chuva de meteoros, nem invasão extraterrestre aniquilando a existência humana. Nenhum filme conseguiu prever o que iria acontecer, nem as pessoas pareceram de forma alguma surpresas com o que aconteceu.

Foi simples assim. O mundo existia como o conhecíamos, e esse mundo acabou. Como se fosse uma substituição de cenário, muito parecido com o cenário anterior, porém com uma breve mudança de protagonistas.

O ar continuou a existir, o planeta continuou a girar, o sol continuou a nascer todas as manhãs, e a ceder espaço para a lua todas as noites. A chuva que começara a cair naquela quarta-feira cinzenta às vezes parava, às vezes continuava, como nos dias, meses, anos, séculos, milênios que antecederam ao despertar das estátuas. O mundo continuou praticamente o mesmo, e ao mesmo tempo ele tinha acabado.

Quem caminhasse pelas ruas no dia seguinte [e parece bem óbvio, caro leitor, que ninguém fez isso] iria perceber que estava tudo muito quieto. Se essa pessoa tivesse acabado de chegar à Terra, talvez achasse tudo muito normal. Ou não, se não houvessem estátuas no mundo de onde essa pessoa veio.

As estátuas originais viraram pedras, restos, pó... espalharam-se pelo mundo, criando uma segunda camada de asfalto, ou terra, ou cinzas de algo que um dia o homem criou. E para ocupar o lugar delas, mais de sete bilhões de novas estátuas se espalharam por aí. Algumas em pé, outras deitadas, umas chorando, diversas rindo. Viramos estátuas que trabalhavam, que batiam, que apanhavam, que assistiam televisão, que dançavam, que escreviam, que pensavam, que observavam, que esperavam, que iam e que chegavam, que corriam ou caminhavam, que voavam ou que afundavam. Viramos lembrança de ninguém, já que ninguém apreciaria essa última obra divina. Do acaso. Do encadeamento lógico da vida.

Ninguém, nem eu mesma. Que só pude escrever esse relato ao acordar desse sonho agourento no dia seguinte, uma quarta-feira. Cinzenta, como a maioria das estátuas que nos acostumamos a ser. Observando, esperando, aguentando a indiferença dos transeuntes. E cada maldita pomba cagante em nossas cabeças. Como estátuas.

Acordando, vivendo e dormindo todos os dias, como se não soubéssemos ser algo diferente. Como se não pudéssemos ousar comer um sanduíche de mortadela, sem saber o que vai acontecer depois.

Ousar ser humano. Seja lá o que isso queira dizer.

3 comentários:

Andarilho disse...

Fim de mundo sem zumbi pra mim não é fim de mundo.

Chico Mouse disse...

Que metáfora filhadaputa da condição humana, hein? my god... :P

Ana P. disse...

@Andarilho: zumbis são uma invenção do cinema ou dos games, sei lá. Você não verá zumbis quando o mundo acabar. Indeed, você não verá nada.

@ChicoMouse: ah... num gostou??? desculpa eu. Faço o melhor do pior que eu posso.

:)