quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Live and let die

Era uma vez o passado.

O passado era uma figurinha estranha no mundo, pois ele não conseguia encontrar o seu lugar. Em alguns dias era bom, noutros dias se sentia horrível, ora estava feliz e dez segundos depois, uma tristeza miserável. O passado mudava todos os dias, e isso atrapalhava muito a sua compreensão de si mesmo.

E claro, o passado, como ser vivente dessa terra, queria compreender a si mesmo.

Mas com essa tendência a não saber quem era, suas dificuldades eram maiores do que a de outros seres viventes. E o que mais fazia o passado sofrer era que ele era malvisto por nove entre cada dez seres viventes. As pessoas não sabiam conviver com o passado.

Toda vez que o passado aparecia numa rodinha de conversas jogadas foras numa tarde chuvosa de sexta-feira, as pessoas disfarçavam, olhavam pra cima, jogavam um assunto na roda e simplesmente ignoravam a presença do passado. Triste e cabisbaixo, ele tentava conversar em outras freguesias.

Às vezes o passado tentava visitar algum amigo de surpresa. Aparecia sem avisar justo na hora de uma festa, ou na hora da soneca, no meio de uma comédia romântica ou de um terror zumbi. A maioria das vezes, quando ele encontrava alguém sozinho, ele conseguia se acomodar, e falar. O passado falava muito. E não fazia a menor menção de deixar o outro explicar, falar, argumentar. O passado sempre se achava o certo. Era um incorrigível.

O maior medo do passado era morrer. De tanto que as pessoas falavam que odiavam o passado e queriam que ele morresse e nunca mais aparecesse, esse era seu maior medo. Ele não era uma pessoa má. Ele apenas não encontrava seu lugar no mundo. E nem sabia como agir direito.

Um incompreendido.

Eram raras as vezes que o passado não se sentia rechaçado pelos outros. Eram raras as vezes em que era bem vindo. Mais raras ainda as vezes em que lhe ofereciam um café e um assento confortável. Nas poucas vezes em que isso ocorreu, o passado soube ser gentil, e retribuir, com delicadeza, o carinho que lhe era oferecido. Não demonstrava sua fúria, nem regurgitava seu falatório sem fim.

Quando aceito, o passado se aninhava e silenciava. E sua presença quase não era percebida. Apenas sabíamos que ele estava ali, mas não incomodava.

Apenas existia.

3 comentários:

Andarilho disse...

Olha, eu discordo desse passado. Pra maioria, ele é bom, pq ele é seletivo. Pq só fica no passado as lembranças boas.

Ou as traumáticas, mas ninguém tem mais traumas do que lembranças boas. Bem, suicidas, talvez.

Márci disse...

OLha...Eu sou da opinião que, como tudo na vida, o passado tem seu lado bom e seu lado ruim...Ponto. =)

Vanessa disse...

Amei o texto. A maneira que as palavras foram colocadas.
E sim, o passado pode ser um tormento, como pode ser uma glória!
Depende de qual passado passe para uma visita ...