terça-feira, 16 de novembro de 2010

Estátuas

As estátuas da cidade acordaram numa quarta-feira cinzenta. Era por volta das três horas da tarde e eu estava trabalhando, alheia a esse acontecimento tão extravagante. Diferente e inesperado. Eram estátuas de tamanhos variados, de quatro a quarenta metros, da altura de um arbusto ou de um edifício. Então elas simplesmente saíram de seus pedestais ou seus jardins de inverno e começaram a caminhar pela cidade. As pessoas se assustavam e corriam do seu caminho, porque né, ninguém fazia a menor ideia de qual era a sensação de ser pisado por uma estátua. Definitivamente, não parecia agradável. Ninguém quis arriscar.

Na hora em que eu saí do trabalho, quando eu me dirigia ao ponto de ônibus, vi o Cristo Redentor passando por ali. Achei engraçado, já havia parado com as drogas há tantos anos, e ainda tinha esse mesmo nível delusional. Mas o mais engraçado mesmo foi na hora que o Cristo olhou em volta, viu as pessoas correndo e eu na minha calma, mascando meu chiclete de hortelã, esperando o ônibus que nunca viria. Ele deu meia-volta, se agachou próximo a mim e tentou falar algo que, a princípio, eu não entendi o que era.

Aprendi a ignorar essas ilusões de ótica.

Então ele me cutucou com o dedo e nossa, como meu ombro doeu. Virei pronta pra mandar um "CÊ TÁ LOKO, CARAIO?", mas quando vi o Cristo Redentor falando comigo, eu ri. E disse "desculpe, eu não entendi".

- Onde fica o Mercadão?

Essa foi engraçada. Então o Cristo Redentor saiu lá do Rio de Janeiro, terra do samba, da mulata e do futebol, e veio pra São Paulo procurar verdura fresca? Ri. Não tinha outra coisa pra fazer além de rir. Ele também perguntou porque todos estavam correndo. Ri mais ainda. Achei que Cristo era tipo onipresente, mas lembrei que aquele não era Cristo, era uma estátua, que ficou sei lá quantos anos parada com os braços abertos olhando a Guanabara, que lindo, que lindo.

- Dói seus braços?

Daí o Cristo Redentor olhou pra mim com espanto. Acho que ele me curtiu, porque na hora que eu perguntei dos braços, ele começou a chorar. O Cristo Redentor estava chorando. Imediatamente surgiram algumas estátuas, uma delas eu conhecia de longe, lembrava dele parado na frente do Trianon, com uma cara de bravo. Ele veio até mim e já foi me intimidando "que que você fez com ele", mas o Cristo era maneiro. Ele disse que tava de boa, que eu só tinha me preocupado com ele.

Cristo, cara. Eu entendo essa sua vibe. Já chorei quando alguém perguntou se eu tava bem. É engraçado, porque você chora quando alguém se preocupa contigo, e porra, você é o Cristo. Então eu disse pra ele que eu só sabia ir pro Mercadão de ônibus, mas que achava um pouco inviável que ele pegasse o mesmo ônibus que eu. Eles riram, acho que eu fiz alguma piada do nível estátua.

Então o Cristo foi bacana. Ele disse que não tinha nenhum ônibus circulando na cidade, e que eu poderia ensinar o caminho a pé pra ele, porque seria mais rápido. Em recompensa, ele me deixaria em casa depois.

Negada, vou te contar: foi o táxi mais alto que eu já peguei em toda minha vida.

continua...

5 comentários:

neutron! disse...

Ah, carai, dessa vez você arrebentou! =]

E eu não consigo ler "estátua", só "estauta".

Me manda a continuação por email? Rerrê. :*

AC disse...

Encantador!
(Tem a certeza que parou com as drogas, não tem!?) :)

beijo :)

Andarilho disse...

Aposto que o Cristo queria comer um sandubão de mortadela no mercadão.

Ana P. disse...

@neutron: relaxa, pq na continuação das crônicas eu geralmente cago, ahuahuahuahuahua. Você vai ler igual com todo mundo, mesmo assim você continua morando no meu coração, tá? [sexta-feira vc tem compromisso]

@AC: eu nunca nem comecei com as drogas, não digo o mesmo do meu ego, alterego ou sei lá que porra que mora dentro da minha cabeça.

@Andarilho: você fazendo spoiler since EVER, hein? hahahahahahahahahahaha!

Chico Mouse disse...

Caraio.... Ana, para com as drogas. Sério. :O