quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O dançarino de uma perna só (2)

Um garoto e uma garota estão sentados na calçada em uma tarde ensolarada. O céu já está com aquela cor alaranjada, e logo eles terão de se separar, cada um pra sua casa, porque é hora de jantar, e pai e mãe ficam bravos quando a demora aumenta. A menina se levanta, ensaia um bailado, e estende a mão para o menino, convidando-o a se levantar e juntar-se a ela. Roteiro de filme, com certeza. Só não é um filme, porque o menino não levanta. Ele deixa a menina com a mão estendida e a lembra de uma coisa que é óbvia para quem o conhece: "eu não posso dançar."

Ele recolhe a muleta, faz um esforço já comum à sua única perna. Fica em pé, encara a menina nos olhos e diz novamente "eu não posso dançar". Ela é insistente, ainda está com a mão estendida. O garoto só vira as costas e vai para casa. A menina, deixada para trás, finalmente cede, deixa a mão cair ao lado do corpo, abaixa o olhar e vai embora também. Ele vai dançar, ela sabe que vai.

O menino que sonhava em ser dançarino já não sonha mais. Sua única alegria é ver a menina dançar, e ironicamente, essa é sua maior tristeza também. O professor de dança da menina quase riu quando o menino disse que também queria aprender a dançar. A sutileza passou longe quando ele apontou para o vazio e deixou solta no ar a frase que todo mundo pensava, mas não dizia para o garoto: "tá faltando alguma coisa aí pra você dançar, não?".

Sim, faltava. Faltava o mundo entender que não se destroi sonhos por causa de uma perna a mais ou a menos. Faltava as pessoas se desafiarem, assim como fez o menino, e desafiarem as velhas ideias, e se atreverem a pensar em um bailarino de uma perna só. Faltava ela criar coragem e ajudá-lo. Ela criou. Mas ele perdeu a coragem que tinha.

Agora ela passava todas as tardes com ele. Às vezes sentavam na rua e contavam quantas pernas passavam em frente à casa dele, às vezes ela dançava e ele observava, até ela estender a mão e a cena se repetir. Inevitavelmente, ele dizia a mesma coisa. "Eu não posso dançar". Vira de costas. Vai embora. Às vezes ela ficava sentada na calçada, e ele demonstrava como tinha facilidade para fazer as mesmas coisas que as pessoas de duas pernas tinham. Nessa hora ele se sentia encorajado a tentar novamente.

Mas vinha à mente o professor, e "tá faltando alguma coisa aí pra você dançar, não?". E então ele virava e ia embora.

Foi numa dessas demonstrações que a menina o desafiou. Ele estava pulando amarelinha com a menina, ela parou de pular e o desafiou. Ela só queria uma coisa, apenas uma coisa, uma pequena demonstração de que o menino de uma perna só poderia ser melhor do que a menina de duas pernas.

"Dança comigo. Só uma vez."

Ele parou de pular e olhou nos olhos da menina. Os olhos dela dançavam em torno dos seus. A tarde não era ensolarada, mas era um cinza acolhedor. Uma rua silenciosa, raridade para uma tarde de julho. Ela repetiu as palavras mágicas.

"Dança comigo. Só uma vez."

E estendeu a mão para o menino.

Dessa vez, a mão dela não ficou sozinha no ar.

[continua...]

9 comentários:

Andarilho disse...

Ele pode até dançar, mas não vai ser um sucesso.

claudia lyra disse...

Tem hora que a gente precisa é de uma menininha dançarina que não desista da gente, né?

Ana disse...

O sucesso não está ligado diretamente à qualidade, Andarilho...não é tão matemático assim!
O sucesso é uma questão de estrela! Para ser aplaudido de pé, nem sempre é preciso ter talento! É preciso apenas ter algo especial que quase ninguém tem....Superação, coragem e determinação fazem tanta falta nesse mundo!!!!
Tô louca pra ler a continuação...e, algo me diz que o final não será clichê!!!! Veremos...Brilahnte!
beijos

Sardinha Mestre disse...

agora melhorou.. gostei da frase: Faltava o mundo entender que não se destroi sonhos por causa de uma perna a mais ou a menos.

Essa foi foda.. deu até um arrepio.

Ana P. disse...

Andarilho: nem é isso que ele está buscando. Sonho não quer dizer exatamente que vc busque o sucesso. Bom, não no caso do menino.

Clau: POIS É. Olha só que coisa.

Ana: olha, não sei exatamente o que seria um final clichê pra você. Mas digamos que pode aguardar, pq ainda não tenho o final dessa história,AHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAA!

Gerundino: não se destroi sonhos por motivo nenhum, sabe. Deveria ser proibido na Constituição que as pessoas destruissem os sonhos alheios!

Andarilho disse...

Desculpa dar uma de House, mas sucesso está sim ligado a qualidade. Todo mundo quer ser reconhecido, e só vai ser reconhecido se vc for bom.

E o sonho do garoto é o que? Dançar por dançar? Helloooo, isso fica mto bonito na ficção, mas a vida real é bem menos doce. Fora que se ele quer dançar por dançar, nem precisa de tanto drama. Dança por hobby e acabou.

Na boa, o sonho do moleque é pegar a menina dançarina, o resto é balela, huahauhua

Sardinha Mestre disse...

Na boa, o sonho do moleque é pegar a menina dançarina, o resto é balela, huahauhua

uauhauhahuhua.. Pqp o Andarilho estraga qualquer comentario e post, o cara é foda, rs. Mas o pior é q concordo.... eu só queria pegar a mina tbm.

Andarilho disse...

Sou eu que estrago o que? Vai me dizer que o post não ficou mais divertido, a la House?

Dois cigarros e um café. disse...

Caralho, Andarilho acabando com os sonhos do moleque, tipos: você nunca será nada seu perneta/doctorhouse. kkkkkkkkkkk


Até perdi o que iria escrever...

Aquió, a Caixa vai ficar de greve até quando???? kkkk.

Beijundas, querida.