quinta-feira, 15 de outubro de 2009

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Peguei o metrô já vazio, já não era hora mesmo de mais ninguém estar na rua. Último metrô do dia, meia-noite e lá vai cacetada, e por isso muito me estranhou a sacola vazia, abandonada, no banco ao lado do que escolhi pra sentar.

Era uma sacola comum, como tantas outras sacolas, dessas de lona, porque precisamos preservar o planeta e tal. Engraçado era que tinha inclusive uma mensagem dessas na sacola: "preserve o planeta". Tá na moda cuidar do planeta. Mas a pessoa que abandonou a sacola no metrô definitivamente não se importava muito com a natureza. Largar a sacola assim, vai saber se alguém vai levar até o lixo, ou se vai pegar de presente.

A curiosidade humana... claro que eu olhei dentro da sacola! Certifiquei-me antes de não haver ninguém olhando, porque ninguém quer se passar por curioso, ou trombadinha. A sacola vazia no metrô vazio não foi a maior surpresa da noite: surpresa de verdade foi encontrar cinco notas de R$ 100,00 soltas lá dentro.

Olhei novamente para os lados, esperando alguém dizer "pegadinha!", mas não. Olhei a sacola e lá estavam elas, as cinco notinhas azuis, sorrindo para mim, quase como que pedindo "oun, me leve com você, preciso de um lar, de pais, ou de uma carteira". Cinco notas que resolveriam a luz cortada do meu apartamento, cinco notas que resolveriam o aluguel atrasado, cinco notas que resolveriam a vontade de tomar uma cerveja gelada e esquecer todos esses problemas.

As cinco notas azuis sorriram novamente.

Larguei a sacola no banco vazio e sentei do outro lado do metrô. Entrou um casal na estação seguinte, mas eles estavam distante, e muito atarefados em procurar algo dentro das calças um do outro, não estavam ligando muito praquelas cinco órfãs dentro da sacola. Dali duas estações eu iria descer, precisava me decidir rápido.

Pego as cinco notas, sabendo que elas não me pertencem e que, um dia quem sabe, eu iria me arrepender? Ou deixo-as largadas ali, para o próximo que aparecer, e que, provavelmente, não terá uma consciência tão fudida quanto a minha.

[o barulho do trem é algo que me entristece profundamente. vou acompanhando aquela sequência diabólica e formando uma música na minha cabeça. tento adivinhar o que se passa na cabeça dos outros passageiros e só encontro olhares perdidos, movimentando-se na cadência daquele barulho ensurdecedor. o barulho do trem, é inconfundível. é como o cheiro de alguém que a gente gosta: a gente nem quer lembrar na maioria das vezes, mas o cheiro impregna. o barulho do trem fica. fica e me entristece]

Chego na estação destino. O casal ainda está se descobrindo anatomicamente. Nem percebem que eu desço do trem, com cinco notas a mais do que eu subi. A sacola permanece, vazia, esquecida no banco vazio do metrô vazio... Segue apenas com um bilhete escrito às pressas, quase que vergonhoso.

"Desculpe"

[a imagem foi copiada daqui]

12 comentários:

Andarilho disse...

Putz, vc achou a minha sacola? Devolve a grana aí...

Hehehe

Se não tem documento, nem identificação, achado não é roubado.

Ana P. disse...

Tem algumas coisas por aí que são achadas AND roubadas ao mesmo tempo.

Corações, for example.

Andarilho disse...

Uau, que comentário mais poético.

Ana P. disse...

Demais, né? Parei com isso, poetismo não leva a grandes coisas na vida.

Poetismo???

Anônimo disse...

E que mal tem em ser subjetivo Ana?!

Ana P. disse...

Tem o mal de nem sempre, aliás, GERALMENTE, você não é compreendido adequadamente.

Cansei de não ser compreendida adequadamente.

Anônimo disse...

Ó mundo cruel, não passamos de pessoas incompreendidas pela sociedade!
rsrsrs

Ana disse...

Que mundo perfeito esse no qual as pessoas não olham pro lado a fim de julgar o outro pela aparência, afinal estão entretidos pelo amor. Que mundo bacana esse, no qual 500 dinheiros permanecem em repouso por tanto tempo, despercebidos num vagão de trem.
E, mais lindo ainda que a CONSCIÊNCIA seja justa e ao menos pondere antes de se deixar levar pela ambição!
Beijo enorme

Pamela Lima disse...

Lindo mesmo, esse mundo...

Gabriela Marques disse...

Eu não tenho esse tipo de sorte, eu geralmente perco as coisas! :/
Muito bom o texto! ;)

Beijoos ~

~*Rebeca*~ disse...

Adorei!

Ana P. disse...

Ana: mundo perfeito demais. Mundo onde a consciência pondere qualquer coisa, pra mim, já seria o mais perfeito.

Pamela: e num é? Só precisamos olhar bem pra ele.

~ Gaa.h: então bate aqui, \o
Porque eu SÓ SEI PERDER.

~*Rebeca e Jota Cê *~: obrigada, e obrigada pela visita.