domingo, 14 de março de 2010

Tirem as pedras do meu caminho

Eu não caminho mais nas ruas com o olhar de esperança de quem vai em busca de conquistas. Eu não penso mais nas coisas que eu tenho a ganhar na vida a cada dia que eu acordo, me levanto, lavo o rosto e enfrento esse novo amanhã. Porra de novo amanhã que nunca chega.

Eu caminho com a determinação de quem não pode ficar parado, porque se ficar parado certeza vai ter um idiota pra chegar e falar "porra, olha como a vida é bonita, segue adiante aê, mermão, que a vida é muito curta, temos que aproveitar". Eu aproveitei a garrafa de vodca que foi esquecida em cima da mesa do chefe ontem. Mais uma noite de embriaguez. Mais uma madrugada bêbado.

Outra manhã chata, enfadonha, com um sol que tá sempre ali.

A história da garrafa de vodca foi até engraçada, o que, paradoxalmente, é engraçado na minha vida. Nunca acho nada engraçado. Mas bem, a garrafa foi um presente. Foi meio que um auto-presente. Chegou como uma encomenda, que o chefe disse que era "do cliente", mas eu sabia, sabia que ele mesmo tinha mandado a garrafa pro escritório. Era pra embebedar a estagiária nova, essa tática que ele usa é muito velha. Ia convidá-la pra um drink pós-expediente, deixar a menina tontinha e comê-la ali mesmo, na sala dele. Só que a menina era muito fácil, e mal sabe ele que a vadiazinha já deu pra todos os caras do escritório.

Todos, é claro, menos pra mim. Não facilito muito a convivência social, de qualquer jeito.

Então que enquanto o chefe dava umas cacetada na menina, eu vi a garrafa ali dando bobeira. Até pensei em me oferecer pra me juntar ao time, mas trabalho em equipe nunca foi meu forte. Fiquei ali, olhando a guria cavalgando no pau do chefe e isso nem de leve me excitou. Vi a garrafa, pensei nas duas possibilidades, e acabei levando a garrafa comigo. Como eu sempre fui meio escroto mesmo, bati a porta na saída. Aposto que os dois nem se incomodaram, os gemidos continuaram alto. Fodam-se. Ou coisa pior.

Eu caminho com a resolução de quem não tá aí pro sexo, pro dinheiro, pras drogas, pro caralho que o parta. Minha maior preocupação enquanto eu caminho é não encontrar nenhum obstáculo no caminho, porque se tem algo que eu odeio são imprevistos, e ter que mudar meu caminho por causa de uma pedra de merda.

Deve ser por isso que eu tô nessa vidinha de ir ao trabalho, ver aquelas mesmas pessoas chatas e sem graça, e rir das piadas desgraçadas, aturar a estagiária rebolando como se fosse a última puta do mundo, e tudo isso só porque agora ela também dá pro chefe. Grandes merdas. Estou nessa vida idiota porque eu resolvi caminhar sem ter preocupações, sem me incomodar com o resto do mundo, e apenas torcendo para que nenhuma pedra aparecesse no meu caminho.

O problema é que a vida já é uma grande, uma enorme, uma gigantesca rocha. Se eu der a volta pelo lado direito, eu vou descobrir que o caminho me leva pra algum lugar chato. Se eu voltar pra passar pelo lado esquerdo, vou ver alguma coisa que num vai me deixar feliz. Detonar a pedra dá muito trabalho.

Vou ficar parado, olhando. Com o poder da mente, ou essa porra dessa pedra sai do meu caminho, ou eu passo o resto dos meus dias a admirar uma pedra que nem bonita é.

Apenas monótona, repetitiva, incomodante. Como todas as pedras.

4 comentários:

Andarilho disse...

Pra esse negócio da pedra, vc se inspirou em Sísifo?

Olha, vou te falar que o texto tá muito legal, mas tem uma coisa que trai ele: se o narrador for homem, ele teria traçado a vadia do escritório se todo mundo comeu tb.

Perdido disse...

O texto ta bom mesmo, mas não liga pro andarilho não! Essas fdp nunca dão pro "heroi".

E se eu cavar pra passar por debaixo da pedra?

Andarilho disse...

HUAHAUHAUHAU, esse "heroi", só se for de filme nerd, hauhauhau

Chico Mouse disse...

Ora, mas vejam só...

O caminho ficou livre.
Livre o caminho ficou.
Livre.
Caminho.
Ficou.


Drummond é o meu ovo esquerdo.