sábado, 28 de agosto de 2010

sing us a song, a song to keep us warm

Um dia eu acordei e tive essa certeza: hoje eu vou morrer.

Não me apavorou nem um pouco esse pensamento, pelo contrário. Ajudou-me a cumprir a rotina de uma forma serena, sem a pressa habitual, sem o mal jeito de deixar as coisas todas jogadas, sem largar a toalha molhada em cima da cama, não tive coragem de apertar o tubo da pasta de dente no meio. Quis deixar o cabelo arrumado, porque apesar de saber que aquele era o dia em que eu partiria, eu não sabia a hora, e portanto, não sabia se teria tempo de me arrumar. Usei aquele perfume que eu estava guardando para uma ocasião especial, porque acredito não haver ocasião mais especial do que a própria morte.

Pensei se deveria escrever uma carta breve, explicando as coisas mais urgentes como senhas do banco, o seguro de vida, pra quem eu deixaria o vidro de perfume especial, praticamente sem uso. Mas não quis perder o talvez pouco tempo que eu teria explicando essas bobagens. Pensei em dizer às pessoas que me são queridas o quanto elas me são queridas. Mas sabia que de uma forma ou de outras, as que precisavam saber disso, já o sabiam. Pensei até em não ir trabalhar. Mas não quis alterar a minha rotina, porque afinal, se eu alterasse qualquer coisa, pode ser que a minha morte não acontecesse como deveria acontecer, ou talvez nem acontecesse.

No trânsito, os sorrisos e xingos de sempre. E nada me deixou extremamente incomodada, mas a sensação de pensar que não mais passaria por tudo aquilo de novo começou a bater em minha mente. Quis deixar algo de bom no mundo, que alguém lembrasse de mim, de minhas atitudes durante o dia e de alguma forma se sentisse bem. Permiti que alguns carros passassem à minha frente, evitei fechar cruzamentos, e ainda assim cheguei ao trabalho no horário certo. Cumprimentei a todos com um sorriso e um bom-dia, e aos que estranhavam essa nova atitude, eu disse em tom jocoso "é, nunca se sabe do dia de amanhã".

Mas eu sabia. Amanhã eu não estaria mais aqui.

Liguei para um amigo e o chamei para almoçar, e pedi desculpas pelo dia que não lhe dei a devida atenção. Paguei o almoço, porque afinal, o dinheiro já não seria problema no dia seguinte. Liguei para os meus pais, não os via há muito tempo, e prometi uma passada por lá no final de semana. Resolvi todas as coisas do trampo, e qualquer dorzinha inconveniente eu pensei "vai ser agora". Mas não era.

Eu morri assim que a lua cheia surgiu no céu de uma terça-feira qualquer. Não senti dor, nem sequer sei dizer a você como eu morri. Mas assim que eu me fui, a primeira coisa que pensei foi na tristeza de não ter um amor pra me despedir. Então eu acordei.

E desde que eu acordei deste sonho, todas as terças-feiras são dias de uma grande expectativa. Nenhum medo. E de infinitas decepções. Até que eu chegue na terça-feira certa.

[o lance com o futuro é o seguinte: toda vez que você olha o futuro ele muda porque você olhou. e isso muda todo o resto]

11 comentários:

Andarilho disse...

A moral da história é viver cada dia como se fosse o último.

Anônimo disse...

Nossa, acordo várias vezes com essa sensação de que amanhã não estarei mais aqui... Mas na real eu acho que jamais estive aqui em nenhum amanhã.
É estranho e bom.
Essa sensação me fez começar a dar atenção aos pequenos detalhes da minha rotina.

Hugs ^^'

Thabata disse...

tocante.

Sardinha Mestre disse...

q texto gay...

normalmente eu falo isso quando eu leio algo cheio de sentimentos, sentimentos são gays... mas você é mulher... e pode ter esses sentimentos sem problemas. Ler o teu texto me lembrou de um pedido que eu fiz esse final de semana a alguem... após o comentário de "quanto eu te devo" a única coisa que respondi foi "apenas prometa chorar no meu enterro", a sensação de que os anos vão passando o momento vai chegando e ninguém vai ao menos sentir falta é deprimente.... viajei??

um pouco..

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Viver intensamente... prá o um futuro quem sabe. bjs

Carina Carvalho disse...

amanhã não estaremos mais aqui, de fato.

somos diferentes a cada dia. já acordamos diferentes do dia anterior. em 24h muitas coisas passam por uma cabeça e muitas pessoas mais pela nossa vista. e isso influi muito em tudo.

texto muito bom, curti.

Ana P. disse...

@Andarilho: copiei seu estilo de resposta. a moral da história é que nada se cria, tudo se copia, risos!

@Marcos: Gracías!

@Amanda: pois é, as vezes a sensação é a de que na verdade eu não estou aqui, uma coisa meio Matrix, meio A Origem, mas a gente finge que engole essa história de "a vida é assim" e vai vivendo. Ou não.

@Thabata: (:

@Gerundino: gay é vc, eu sou uma menininha muito sentimental... HAUHAUHAUHAUHAUHAUHAUHUA, que piada! Eu pelo contrário, não quero que ninguém chore no meu enterro, pq as pessoas ficam feias quando choram e eu só quero gente linda na minha festa.

@Albuq: eu não sei nem viver, que dirá intensamente!

@Carina: a que escreveu o texto já se foi, faz nem dez minutos, e daqui um pouco eu já não serei mais quem eu sou ou fui ontem. Somos muitos em um e nunca somos ninguém, essa coisa meio paranormal assim.

Marguerita disse...

Eu gostei bastante do texto, mas a frase final me parece do mestre Yoda...
Não é uma crítica, adoro o Mestre.

Bjoo

Anônimo disse...

ser difícil de ser encontrado,,,
escreve algo sobre as eleições, "pior que tá não fica..."

ou, sei lá, algo como seria a vida sem net, digo que é até bom, experi~encia propria,,,

tu tem facebook?

até.

Bob [aquele que ainda não findou]

Vanessa disse...

Hermana!

Lindo texto ... nem sei o que dizer! Só que é lindooooooooo!
Como vc! [é, somos gays, podemos!]rs

Amo!

Beatrix Kiddo! disse...

Tava adiando ler esse texto, não sei pq. Acho que eh o meu preferido até hj. Ou eu acho que acordei mais sentimental de que de costume, o que só confirma o que o texto diz. Lindo lindo mesmo. E o que tá me incomodando mt eh não saber até hj de que música/banda eh esse trecho do seu título. Caralho, que nervoso (because some things never change!) Beijocas, Ana P.